O Quebra-cabeça Mágico de Carlos Ruiz Zafón

 

Em 2017 chegou ao fim a saga O Cemitério dos Livros Esquecidos, do escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón. Iniciada em 2001 com o best-seller A Sombra do Vento, a jornada da família Sempere se encerra 16 anos depois com o quarto volume da série: O Labirinto dos Espíritos. Contudo, os quatro livros são tramas independentes, podendo ser lidos em qualquer ordem para montar a história geral. Mas como em qualquer quebra-cabeça, o grau de complexidade muda dependendo do trecho por onde você começa a montá-lo.

Cada um dos romances se passa em uma época, focando em personagens diferentes. Seguindo a sequência de lançamento, começamos com A Sombra do Vento (2001), responsável por tornar Zafón mundialmente conhecido. Nele conhecemos um Daniel Sempere criança tendo seu primeiro contato com O Cemitério dos Livros Esquecidos em 1945 e se envolvendo em uma intriga relacionada aos livros de Julián Carax. Em O Jogo do Anjo (2008), a trama se passa na década de 1930 e conta, em primeira pessoa, a história do escritor David Martín, que recebeu uma proposta irrecusável de um homem misterioso para escrever um livro revolucionário. Já em O Prisioneiro do Céu (2011), avançamos até 1957 e encontramos Daniel entrando na vida adulta e descobrindo alguns fatos perturbadores envolvendo sua mãe, Isabella. Dessa vez, porém, o foco está no seu fiel companheiro Fermín Romero de Torres e na sua antiga passagem pela prisão do Castelo de Montjuic. Por fim, O Labirinto dos Espíritos (2017) se passa em 1959, e nos apresenta a investigadora Alicia Gris, cuja missão de solucionar o desaparecimento do ministro Mauricio Valls revelará muitos segredos escondidos e unirá as quatro narrativas.

Uma opção para iniciar a leitura é seguir a ordem cronológica dos acontecimentos narrados. Assim, começamos a solucionar o quebra-cabeça pela base com O Jogo do Anjo. Entretanto, começar pela base traz um “problema” pois deixa a tarefa mais complexa visto a confusão de peças nessa fase. Dentre os volumes da série, O Jogo do Anjo tem o relato mais subjetivo partindo da visão peculiar de seu protagonista, tornando seu desfecho confuso e tendendo para o sobrenatural. Ainda na analogia, ele seria aquela peça que parece não se encaixar nas demais.

Seguindo a ordem em que os exemplares foram publicados, o início é através d’ A Sombra do Vento. Na época do lançamento, desconhecia-se que este era o início de uma saga. Portanto, ao final do livro, a sensação é a de que o quebra-cabeça já está completo quando, na verdade, ele é apenas um dos elementos de destaque. Apesar de funcionar muito bem sozinho, ainda existem as peças para dar o acabamento, que no caso fazem a conexão com o passado de Daniel – a história de sua mãe e de seu amigo Fermín – e com seu futuro explorando as consequências de suas aventuras de adolescência e a transição para a maturidade.

Por outro lado, estrear com O Prisioneiro do Céu é montar a menor fração do jogo, não só por este ser o livro de menor tamanho, mas também por ter a função de alertar que a trajetória da família Sempere ainda não está solucionada e falta muita coisa. As opções que restam ao leitor são ir para “cima”, ou seja, seguir a linha temporal e descobrir o que acontece dali para frente, ou “descer” desvendando como tudo começou: a amizade com Fermín; a confusão em que se meteram anos atrás, mas que foi apenas referenciada em O Prisioneiro; e antes disso, conhecer a vida de David Martín sob outra ótica, pois após a leitura deste romance, O Jogo do Anjo ganha um significado totalmente novo.

Apesar das várias possibilidades, uma das formas mais dinâmicas de embarcar no mundo criado por Zafón é com O Labirinto dos Espíritos. Ele é o elemento central, o núcleo do quebra-cabeça que interliga todos pedaços montados até então. A partir daqui, o leitor pode “voltar no tempo” o quanto quiser e tudo estará conectado. O que aparentariam ser tramas independentes se lidas de outra forma, agora claramente integram um conjunto maior, formando um grande quadro.

Isso só comprova a genialidade de Carlos Ruiz Zafón, que soube construir um complexo quebra-cabeça de palavras que fascina leitores por todo o mundo e faz uma grande homenagem à Literatura. Independentemente do modo como entramos no Cemitério dos Livros Esquecidos, o resultado final será o retrato de uma Barcelona encantada habitada por personagens inesquecíveis que sentimos conhecer a vida inteira.

Mozer Dias Por Mozer Dias

 

 Veja Também

 Resenha - Harry Potter e a Criança Amaldiçoada
 Resenha - O Demonologista
 Resenha - Os Condenados
 Resenha - A Química
 Batman: Arkham Knight - A novelização oficial do jogo